sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"A sombra do que fomos"

No passado dia 27 conheci, pessoal e fugazmente, o escritor chileno Luis Sepúlveda. Escritor sul-americano, escritor do mundo, como decerto preferirá. A pátria que o criou foi a pátria que lhe virou as costas, que o torturou, que o exilou. A pátria que deixou de existir. Luis Sepúlveda é, como o próprio afirma, um escritor apátrida.
É, sem dúvida, um dos meus escritores de eleição, não só pela simplicidade e pureza das palavras mas também pela simplicidade e pureza das estórias.
A história da sua vida, implícita em cada conto, em cada pensamento, em cada romance, é uma história de luta.
Sempre que lhe partilho uma leitura, por mais pequena que seja, admiro-lhe a vida. Sepúlveda sofreu mas lutou e eu, ao lê-lo, sinto-me fracassada.
Sepúlveda foi preso, durante mais de dois anos, após o golpe de estado de 11 de setembro de 1973. Em 77, saiu definitivamente do Chile, exilado. Enquanto a ditadura de Pinochet seguia no Chile, Sepúlveda seguia pelo mundo, escrevendo, criticando, agindo. Mesmo que quisesse, Sepúlveda nunca seria "só mais um escritor". Ele não está sentado numa secretária a desenrolar os novelos de uma nova estória. Ele vive os novelos. Os Moleskine são as suas agulhas e as suas palavras são bainhas fortes e valiosas. Em Sepúlveda, as palavras valem o que valem e o seu valor é imenso.
Desiludiu-me o nosso curto encontro. Uma sessão de autógrafos é bastante impessoal (apesar de lhe ter dito que era um prazer estar ali e se lhe podia dar dois beijinhos). Ainda esperei. Queria sentar-me a uma mesa com ele, com vinho tinto e chouriça assada (embora eu não goste de vinho nem coma carne, aprecio-os como companhia), queria que me partilhasse um bocadinho mais da sua sabedoria (sim, mais que a que ele partilha nos livros), queria partilhar com ele a minha admiração, queria dar-lhe a conhecer uma bonita história de amor na qual ele teve papel relevante, queria, enfim, disfrutar de uns minutos mais da sua companhia.
Já há muito que ando para tentar arranjar um contacto dele, pode ser que tenha sorte e que um dia, algures por Gijón ou pelo mundo, nos encontremos novamente.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Saramagolândia

Venho aqui expressar o meu total apoio à exortação do Euro-deputado do PPD Mário David a José Saramago.
Acho bem que Saramago aceite renunciar à cidadania portuguesa.
Depois, apoio a formação de uma Saramagolândia.
Seguidamente, mudo-me para lá.
Uma terra (e não um país) sem fronteiras delimitadas por homens, onde tenhamos direito inquestionável à cidadania, onde sejamos cidadãos do mundo, onde possamos pensar livremente e expressar esses mesmos pensamentos.

Caso isto não seja possível, exorto, então, o mesmo sr. Mário David a renunciar à cidadania portuguesa porque me sinto francamente envergonhada com as suas declarações.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Até ao outro lado do Atlântico

O tema que vou abordar não tem, directamente, a ver com o vídeo que se segue, mas surgiu a partir dele.

http://www.youtube.com/watch?v=KJs_tsKnGoM

Para quem já não tem paciência para ouvir isto, passo a explicar: tudo começou com umas declarações de uma actriz brasileira, Maitê Proença, que, pelos vistos, chocou e insultou muita gente.
Os media que, de há anos para cá, têm vindo a assumir posições de parcialidade escandalosa, contrariando violentamente o seu Código Deontológico, ficaram também chocadíssimos e resolveram acompanhar a "notícia" com umas chalaças e uns comentários que só serviram para deitar mais achas na fogueira.
Enfim, não vou gastar o meu precioso tempo a comentar o que a senhora disse ou deixou de dizer a respeito de Portugal e dos portugueses. É-me indiferente. Vou falar, sim, de um tema que surgiu numa discussão relativa a este assunto e que usou argumentos como "...em Portugal temos os números das portas ao contrário, no Brasil têm favelas, prostituição infantil e um índice de criminalidade elevadíssimo..." (como se estes problemas fossem exclusivos de um só país e dando a parecer que, em Portugal, não há nenhum tipo de questões sociais a serem resolvidas), "...se [a Maitê Proença] cospe nos monumentos, os brasileiros que cuspam para limparem o chão..." ou ainda "...o Brasil é o maior exportador de prostitutas (...) uma vaca [Maitê Proença] que é estrela de novela no país que é o maior fornecedor de Portugal no que toca a putas...".
Confesso que fiquei chocada com a xenofobia que desabrocha ao mínimo sinal. A necessidade, de algumas pessoas, de que aconteça qualquer coisa que as faça pensar que estão no direito de maldizer os outros, nomeadamente e com especial prazer, os imigrantes, é notável.
Há gente que se esquece, mas muito deve este nosso país a todos os imigrantes que contibuem para a riqueza do mesmo, através do trabalho, através dos descontos, através da própria vivência.
Ninguém o pode negar nem perverter estes dados com falácias do género do clássico "vêm para cá roubar os empregos a quem quer trabalhar!". Pelo contrário, o que seria, por exemplo, de nós sem os médicos brasileiros (e sul-americanos, no geral) que para cá vêm preencher os buracos deixados pelas variadas questões estruturais e de interesses?
Poderia tomar muitos exemplos de sucesso, progresso e inovação feitos e trazidos por imigrantes, constituindo um contributo importantíssimo para o desenvolvimento do país nas mais diversas áreas (assim como contribuem os portugueses emigrados por todo o mundo). Fernando Pinto (TAP), Edson Athayde (publicitário), Ediberto Lima (produtor) são alguns casos de êxito mais visíveis e lembremos que a primeira "vaga" de imigração brasileira tinha um estatuto elitista, que se foi perdendo à medida que a imigração foi aumentando.
Portugal e Brasil têm uma História em comum, têm uma História de emigrações e imigrações antiga. Desde a independência do Brasil, 1822, até, sensivelmente, à primeira metade do século XX, este foi um dos destinos de eleição dos emigrantes portugueses. Daí para cá o sentido inverteu-se.
Claramente, há variados problemas ligados à imigração, no geral, e brasileira, em particular. Está por legalizar a grande maioria dos imigrantes brasileiros. Muitos ocupam trabalhos menos qualificados cá do que aqueles que ocupavam no Brasil (o que leva muitas vezes ao desprezo por parte desse ser tão superior que é o português), sendo as actividades com maior expressão a construção civil, o futebol, o trabalho doméstico e a restauração. Não se pode ignorar ainda que, realmente, há prostitutas brasileiras em Portugal (e espanholas, francesas, inglesas, suecas, ucranianas, russas e - espante-se! - até portuguesas), mas, como é óbvio, não são todas, não são sequer a maioria. Segundo um estudo do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (embora bastante contestado), o perfil das prostitutas brasileiras é o seguinte: "são maiores de idade, não possuem antecedentes nesta atividade no Brasil, têm um curso médio ou superior, são brancas, prostituem-se por motivos financeiros, a maioria veio para Portugal pelos próprios meios para fugir da pobreza mas há quem admita que foi influenciada ou forçada" (tráfico humano - parecendo-me, este, mais incidente nas imigrantes de leste).
Vejamos, então, se este flagelo não é comum a todos os países. Havendo ou não brasileiras, a prostituição é uma realidade portuguesa e mundial, é um problema de uma gravidade social imensa que deve ser combatido. Não se podem generalizar como prostitutas todas as imigrantes brasileiras, assim como não se podem generalizar como prostitutas todas as mulheres.
Existe prostituição, sim, mas ela não aumenta ou diminui consoante haja mais ou menos imigração feminina ou masculina (de qualquer nacionalidade). Ela existe, e cada vez mais, porque as pessoas não têm as condições básicas de sobrevivência, não só não tendo dinheiro para pão, leite e tecto mas também não gozando de pequenos luxos, de alguma qualidade de vida, tão essencial à sobrevivência da sociedade ocidental contemporânea.

Oh tempo, volta para trás...

Há muito que não escrevia neste meu diário, que passa de semanário a mensal num ápice, sem se dar por ela. Espero nunca chegar ao ponto de ter um diário trimestral, semestral ou mesmo anual, quanto mais não seja pela própria contradição dos termos. Consequentemente, esta ausência de prosa acumulou-a e tenho tantos assuntos para escrever e reflectir que nem sei por onde começar.
Entre eleições e resultados, novelas mexicanas de escutas e não escutas, praxes e tradições, jogos(ões) do Glorioso, uma perda inesperada e um pedido de fundamentação de um post deste mesmo blog, deparo-me com uma amálgama de temas que terei que dividir para uma melhor escrita da minha parte e leitura da parte dos (escassos) leitores.
Começarei, no entanto, com um assunto com o qual me confrontaram hoje mesmo e que demonstra como as coisas com menos importância são aquelas que mais incomodam os demais...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Mas que raio de democracia é esta? ou O elogio do "acho mal"

Acho mal haverem debates em que, em vez de alternativas, só se ouvem ataques.
Acho mal haverem pessoas que acordam para o estado do, vá, país, apenas nestas alturas e baseiam as suas opiniões pelo que vêem na televisão.
Acho mal haverem pessoas que não lêem programas eleitorais nem estão minimamente familiarizadas com as políticas dos partidos em que votam.
Acho mal haverem pessoas que encaram os partidos políticos como clubes de futebol.
Acho mal haverem reportagens sobre o dia-a-dia dos políticos.
Acho mal haverem eleitores que votam na pessoa em detrimento do partido, qual rebanho à procura de pastor.
Acho mal haverem opinion makers e comentadores políticos que ditam decisões.
Acho mal haverem taxistas de opinião, que influenciam tanto ou mais que os ilustres indivíduos supra citados, porque sabem tudo sobre tudo.
Acho mal haverem fait divers que desviam as atenções do que realmente importa.
Acho mal haverem oportunismos políticos.
Acho mal haverem maiorias absolutas aka asfixia democrática.
Acho mal haverem pessoas que falam, falam e não votam, mesmo aquelas que pretendem, com isso, marcar uma posição.
Acho mal haverem pressões entre comunicação social e política, de parte a parte.
Acho mal haverem febres de campanha eleitoral, porque afinal o que interessa não são duas semanas de pseudo-intelecto-politiquices.
E, por hoje, neste nosso contexto, é só a isto que acho mal.

As minhas cuecas

Devo começar por dizer que isto das "minhas cuecas" não é uma ideia, inteiramente, minha. Surgiu impulsionada por um workshop, promovido pelo meu curso no âmbito do processo criativo do artista. Esta ideia sugere que expôr o processo criativo é expôr as cuecas (a nossa intimidade). Para chegar a esta metáfora brilhante foram precisas 5 cabecinhas em constante agitação e discussão. Como é óbvio, a nossa performance não fica por aqui, mas é nisto que pego para escrever o que se segue.

Há uns anos, no Secundário, tentámos definir o que seria uma obra de arte. Não chegámos, propriamente, a conclusão nenhuma. No entanto, a ideia de uma obra de arte ser uma mensagem aberta que se fecha em cada um de nós, espectadores, tornando-se só aí, ao serviço do público, uma obra completa, é deveras tentadora. Isto quer dizer que a mais preciosa das obras, quando não é partilhada, não é arte. É, vá, "metade da obra de arte" ou o "início da obra de arte".
O artista, ao criar, não vou dizer que quer sempre transmitir uma mensagem concreta, isso é intelectualizar a arte, que deve ser espontânea ou, pelo menos, genuína. Mas quer provocar algo no espectador. Seja admiração pelo seu trabalho, seja estupefacção, seja repugnância, o artista cria sempre uma reacção no público e só assim se sente completo. Mas afinal de contas, o que é este querer, este desejo, tão implícito no processo criativo e por vezes tão subtil na obra, se não o impulsionador da arte, o que move os artistas? Ver a sua obra reconhecida não é vaidade ou a procura da fama, é apenas vê-la acabada.

domingo, 13 de setembro de 2009

Avante, Camarada!

De há uns anos para cá que o mês de Setembro, para mim, mudou de significado. De odioso mês do começo da trabalheira transformou-se no esperado e ansiado mês da Festa. Não vou gastar muito tempo a gabá-la porque o melhor é mesmo ir, nem a descrevê-la porque é sempre uma tentativa falhada. Perguntaram-me, há uns dias, o que fazia do Avante um evento tão diferente dos demais festivais. Primeiro, não soube bem o que dizer, a comparação incomparável apanhou-me desprevenida, mas, realmente, o que faz essa diferença? O que respondi foi "é o espírito, o convívio". E sim, penso que seja isso. Nunca vi, num Sudoeste, crianças, adolescentes, jovens, adultos, velhotes (não gosto da palavra "idosos") a vibrarem, pularem, cantarem, partilharem pequenos momentos de alegria ao som de músicas simbólicas. Claro que nada bate a convidativa Carvalhesa que faz furor de todas as milhentas vezes que passa, mas o arrepio na espinha provocado pela Internacional e a fraternidade inerente à Avante Camarada, não deixa ninguém indiferente. A simpatia, o empenho, o esforço e o trabalho pairam no ar, entranham-se, envolvem-nos e deixam-nos experimentar o forte laço da união. Somos um. Somos milhares. É bom. É festa, é a Festa.

http://www.youtube.com/watch?v=3ILYx0qewm0

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Era uma vez...

Estavam a conversar dois amigos numa noite fresca de um Verão não muito quente.
O amigo contou à amiga coisas incríveis, inacreditáveis, coisas do arco da velha...
Coisas dos tempos idos, dos séculos passados...

O amigo contou à amiga que as mulheres, na sua maioria, não sabem conduzir ("em 100 ocasiões de aselhice, 80 são de mulheres").
O amigo contou à amiga que o futebol feminino não consegue nem nunca conseguirá singrar (as mulheres, coitadinhas, com todas as suas condicionantes físicas chegam a um ponto em que não conseguem progredir... a bênção de ter filhos é, afinal, uma maldição).
O amigo contou à amiga que as mulheres demoram muito nas compras (realmente, assim não há homem que nos ature!)
O amigo contou à amiga que, agora, os homens "até já ajudam" em casa (fazem a sua boa acção do dia por se levantarem do sofá e lavarem uns pratos?!)
A amiga contou ao amigo que nada daquilo era verdade.
O amigo contou à amiga que estava convicto do que disse.
(e como diz alguém que conheço bem...) Cá vamos nós cantando e rindo.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Ao meu querido diário...

Escrever o meu dia-a-dia num diário, foi tarefa que nunca me prestei a realizar, em grande parte devido à minha falta de disciplina e, além disso, achava que tinha mais que fazer. E tenho. Mas a verdade é que, apesar de comparar o blog a um diário, muitas vezes dou por mim a pensar e a falar com as paredes sobre assuntos que me apetecia partilhar, mas que, por qualquer razão, não vêm à baila nas mesas de café com os amigos e ficam quase esquecidos.
Ora bem, antes de mais, sou mulher, tenho 21 anos e estudo. Nasci em Coimbra; vivi, cresci e tornei-me no que sou em Viseu e, agora, ando pelas ruas de Lisboa a tentar assegurar um futuro, cuja única certeza que tenho é o de ser incerto.
Quando tinha bons hábitos e não matava neurónios a estudar sabia aproveitar bem o tempo: lia o jornal no café, lia o livro no banco do parque, ia ao cinema, ao teatro, ouvia música, enfim, tinha todo o tempo do mundo, numa cidade em que o ritmo de vida é invejável.
Em Lisboa, tudo muda. Na faculdade, pelo menos no meu curso, tudo muda também. Os meus (poucos) tempos livres são gozados com o rabinho no sofá a ver o entretenimento mais rasca. E gosto. Sabe bem sair de mim durante uma horinha e viver os problemas (todos facilmente solucionáveis, haja sorte!) daquelas personagens. Ou seja, há meses que não leio um livro, decentemente; as notícias leêm-se pela net ou, na pior das hipóteses, nos telejornais; cinema e teatro só em sonhos e para ouvir música, resta-me o tempo da duração da viagem de metro.
Agora que chegam as férias, o tempo deveria dar para tudo, mas não dá. Isto porque ando a mudar de casa e, meus amigos, se vocês não sabem o que é procurar casa para arrendar em Lisboa, considerem-se com muita sorte. Uma correria, a mesma lenga-lenga chamada após chamada (operadores de call-center: invejo-vos a paciência), os "Nãos!", as cauções, os vigaristas, as visitas, os contratos e, acima de tudo, a pouca oferta. Dentro da pouca oferta existem várias categorias: os caros, os razoáveis (em Lisboa não há "os baratos"), os que ficam longe, os que ficam no centro, os apertadíssimos e aqueles com um bocadinho mais de espaço. Claro que, para qualquer estudante, há sempre a hipótese de ir para uma residência, mas vejamos: uma residência pede entre 200 a 310€ por quarto com o favorzinho da serventia da cozinha e das I.S., geralmente, estão longe das universidades e têm o espaço mínimo indispensável, facto que não viabiliza a perfeita vivência de sujeitos que têm livros, materiais e papelada até dizer chega. É caro e, quando a conta se alarga a transportes e proprinas (cuja única coisa que garantem é uma cadeira e um estirador e, às vezes, nem isso), torna-se insuportável. O que é verdadeiramente mau é que ninguém se parece preocupar realmente com isso, desde que haja praxes e dinheiro para o traje e para a cervejinha, o pai paga.
Bem, já me estou a alargar para o que pretendia que fosse uma breve apresentação e a divagar por temas que não são chamados para a ocasião, mas que, se bem me conheço, abordarei com certeza.
Até breve!