terça-feira, 13 de outubro de 2009

Até ao outro lado do Atlântico

O tema que vou abordar não tem, directamente, a ver com o vídeo que se segue, mas surgiu a partir dele.

http://www.youtube.com/watch?v=KJs_tsKnGoM

Para quem já não tem paciência para ouvir isto, passo a explicar: tudo começou com umas declarações de uma actriz brasileira, Maitê Proença, que, pelos vistos, chocou e insultou muita gente.
Os media que, de há anos para cá, têm vindo a assumir posições de parcialidade escandalosa, contrariando violentamente o seu Código Deontológico, ficaram também chocadíssimos e resolveram acompanhar a "notícia" com umas chalaças e uns comentários que só serviram para deitar mais achas na fogueira.
Enfim, não vou gastar o meu precioso tempo a comentar o que a senhora disse ou deixou de dizer a respeito de Portugal e dos portugueses. É-me indiferente. Vou falar, sim, de um tema que surgiu numa discussão relativa a este assunto e que usou argumentos como "...em Portugal temos os números das portas ao contrário, no Brasil têm favelas, prostituição infantil e um índice de criminalidade elevadíssimo..." (como se estes problemas fossem exclusivos de um só país e dando a parecer que, em Portugal, não há nenhum tipo de questões sociais a serem resolvidas), "...se [a Maitê Proença] cospe nos monumentos, os brasileiros que cuspam para limparem o chão..." ou ainda "...o Brasil é o maior exportador de prostitutas (...) uma vaca [Maitê Proença] que é estrela de novela no país que é o maior fornecedor de Portugal no que toca a putas...".
Confesso que fiquei chocada com a xenofobia que desabrocha ao mínimo sinal. A necessidade, de algumas pessoas, de que aconteça qualquer coisa que as faça pensar que estão no direito de maldizer os outros, nomeadamente e com especial prazer, os imigrantes, é notável.
Há gente que se esquece, mas muito deve este nosso país a todos os imigrantes que contibuem para a riqueza do mesmo, através do trabalho, através dos descontos, através da própria vivência.
Ninguém o pode negar nem perverter estes dados com falácias do género do clássico "vêm para cá roubar os empregos a quem quer trabalhar!". Pelo contrário, o que seria, por exemplo, de nós sem os médicos brasileiros (e sul-americanos, no geral) que para cá vêm preencher os buracos deixados pelas variadas questões estruturais e de interesses?
Poderia tomar muitos exemplos de sucesso, progresso e inovação feitos e trazidos por imigrantes, constituindo um contributo importantíssimo para o desenvolvimento do país nas mais diversas áreas (assim como contribuem os portugueses emigrados por todo o mundo). Fernando Pinto (TAP), Edson Athayde (publicitário), Ediberto Lima (produtor) são alguns casos de êxito mais visíveis e lembremos que a primeira "vaga" de imigração brasileira tinha um estatuto elitista, que se foi perdendo à medida que a imigração foi aumentando.
Portugal e Brasil têm uma História em comum, têm uma História de emigrações e imigrações antiga. Desde a independência do Brasil, 1822, até, sensivelmente, à primeira metade do século XX, este foi um dos destinos de eleição dos emigrantes portugueses. Daí para cá o sentido inverteu-se.
Claramente, há variados problemas ligados à imigração, no geral, e brasileira, em particular. Está por legalizar a grande maioria dos imigrantes brasileiros. Muitos ocupam trabalhos menos qualificados cá do que aqueles que ocupavam no Brasil (o que leva muitas vezes ao desprezo por parte desse ser tão superior que é o português), sendo as actividades com maior expressão a construção civil, o futebol, o trabalho doméstico e a restauração. Não se pode ignorar ainda que, realmente, há prostitutas brasileiras em Portugal (e espanholas, francesas, inglesas, suecas, ucranianas, russas e - espante-se! - até portuguesas), mas, como é óbvio, não são todas, não são sequer a maioria. Segundo um estudo do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (embora bastante contestado), o perfil das prostitutas brasileiras é o seguinte: "são maiores de idade, não possuem antecedentes nesta atividade no Brasil, têm um curso médio ou superior, são brancas, prostituem-se por motivos financeiros, a maioria veio para Portugal pelos próprios meios para fugir da pobreza mas há quem admita que foi influenciada ou forçada" (tráfico humano - parecendo-me, este, mais incidente nas imigrantes de leste).
Vejamos, então, se este flagelo não é comum a todos os países. Havendo ou não brasileiras, a prostituição é uma realidade portuguesa e mundial, é um problema de uma gravidade social imensa que deve ser combatido. Não se podem generalizar como prostitutas todas as imigrantes brasileiras, assim como não se podem generalizar como prostitutas todas as mulheres.
Existe prostituição, sim, mas ela não aumenta ou diminui consoante haja mais ou menos imigração feminina ou masculina (de qualquer nacionalidade). Ela existe, e cada vez mais, porque as pessoas não têm as condições básicas de sobrevivência, não só não tendo dinheiro para pão, leite e tecto mas também não gozando de pequenos luxos, de alguma qualidade de vida, tão essencial à sobrevivência da sociedade ocidental contemporânea.

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